Pilares e Dinâmica do Varejo: um panorama global e nacional
O futuro do varejo passa pela redefinição do que é o próprio varejo
Comecei 2023 iniciando o Mestrado de Empreendedorismo e Inovação da USP como aluno especial, na disciplina Gestão do Varejo, do Prof. Dr. Marcos Luppe. Estava sentindo a necessidade de aprofundar o entendimento de alguns pontos e reflexões que cursos lato sensu não conseguem oferecer. Vamos ver no que vai dar!
Como já dá para imaginar, o mestrado exige uma produção constante de conteúdos, textos, artigos e reflexões. Os que fizerem sentido, serão compartilhados por aqui.
A produção dessa semana se propõe a refletir sobre o panorama global & nacional do varejo. Falamos sobre eCommerce, omnichannel, VR/AR, uso de tecnologia, crises (econômicas/de modelo de negócio), papel da loja física, entre outros.
Obs 1) Os artigos lidos como base para esse texto podem ser encontrados aqui.
Obs 2) Se quiser bater um papo sobre o assunto, é só me adicionar no LinkedIn.
Espero que gostem!
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Assim como diversos setores da economia e da sociedade, o varejo tem passado por diversas transformações, tanto culturais de negócio e tecnológicas. Essas mudanças tem acontecido de forma cada vez mais rápida e simultânea, forçando novos pensamentos e lógicas para toda a cadeia e todos os stakeholders (da produção de um item ao pós-venda com o cliente). Não bastasse a revolução tecnológica que temos vivenciado desde o fim dos anos 90, os últimos anos foram especialmente desafiadores com a chegada da pandemia da COVID-10 assim como seus desdobramentos e alta global da inflação.
Enquanto na era pré-internet as mudanças e revoluções aconteciam em tempos relativamente longos (mas não menos impactantes para a sociedade da época), os últimos 25 anos viram o surgimento, amadurecimento e protagonismo das TICs (tecnologias de informação e comunicação). De simples ferramentas de backoffice, rapidamente se transformaram em pilares fundamentais para criação da nova era do varejo, com seus novos desafios e possibilidades.
A implementação dessas ferramentas tecnológicas e digitais permitiu o surgimento de novas dinâmicas varejistas: do eCommerce puro ao omnichannel utópico, passando por análise preditiva e uso de inteligência artificial na ultra personalização da experiência do consumidor. Essas novas dinâmicas, impulsionadas pela computação em nuvem (que veio ao mundo há menos de 20 anos e redefiniu completamente a lógica dos negócios permitindo, inclusive, o boom das startups) permitiu a criação de uma jornada de compra e experiência completamente diferente do que era feito até então, criando uma nova geração de consumidores, com exigências, gostos e costumes cada vez mais digitais e ágeis.
O processo de ´Amazonificação´ da mentalidade do consumidor forçou o varejo mundial para novos caminhos. Mas nem todos estavam preparados para esse movimento, que acabou gerando a queda de grandes varejistas do passado, até então considerados imbatíveis. Esse movimento não-natural de adaptação, intenso e rápido, por muito tempo foi responsável pelo prelúdio do fim das lojas físicas. Outros fatores também auxiliaram e impulsionaram esse movimento intenso de fechamento de lojas físicas: crise financeira global de 2008, mudanças nos hábitos de consumo, o impacto recente da pandemia de COVID-19 e, conforme mencionado, o crescimento avassalador do eCommerce.
Apesar do impacto relevante e perceptível em todo o mundo, há alguns anos o varejo vem buscando a integração dos assets físicos (lojas e pontos de venda em geral) com suas operações digitais. É dessa busca por integração que surge o conceito do Omnichannel.
Omni = Em todos os lugares
Channel = Canal
Omnichannel = Todo lugar é canal = (E trazendo para o contexto do varejo…) O consumidor compra em qualquer lugar
O tão falado omnichannel é uma palavra muito bonita e um conceito maravilhoso, mas possui uma execução extremamente difícil. A integração entre uma prateleira virtualmente infinita de opções com a realidade física da loja (logística, supply, atendimento, ritmo, cadência, etc) ainda é um desafio para a maioria dos varejistas que - com margens de lucro cada vez mais apertadas - buscam a criação de um sistema fluido e sem atritos (operacionais e comerciais).
Ao contrário do que os autores do artigo Strategizing Retailing in the New Technology Era, publicado no Journal of Retailing ed. 97, fazer a pergunta “How should retailers prioritize their brick-and-mortar operations relative to their digital operations?” é, na minha opinião, a forma errada de abordar esse desafio.
Os varejistas precisam entender que as dimensões física e digital dos seus negócios se tornaram uma coisa só. Não deve haver uma escolha entre um ou outro canal pois a ideia do omnichannel pressupõe um funcionamento praticamente sem barreiras ou atritos.
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Como bem explica Silvio Meira em seu estudo “Anotações para 2023”, o espaço em que vivemos se transformou em figital, de dimensões física, social e digital. Essas 3 dimensões, de acordo com o autor, já se tornaram dominantes e ubíquas. Enquanto o varejo tentar separá-las para que operem de forma independente e desconectadas, o objetivo final da omnicanalidade jamais será atingido.
Ao buscar a integração entre ambientes digital e físico, o varejo invariavelmente passa por uma revisão completa de todos os seus conceitos, assets e lógicas. Um dos papéis a serem revistos - e sem dúvidas um dos mais importantes - é o das lojas físicas que deixam de estar “isoladas no vácuo varejista” para se tornarem mais um ponto de contato do cliente com o negócio.
Ao buscar a omnicanalidade, perguntas que invariavelmente precisam ser feitas por cada varejista passam por - mas não se limitam a: Em que momento da jornada do consumidor as lojas passam a atuar? Qual o novo papel das lojas físicas? Algo pode ser mantido ou ela precisa ser completamente reinventada? O que deve ser colocado (ou retirado) das lojas? Qual tamanho elas devem ter? Como o estoque físico deve interagir com as prateleiras virtualmente infinitas do meu eCommerce? Deveria criar experiências presenciais na minha loja? Que tipo de experiência?
Em 2023, a visão dominante no mercado é de que o principal objetivo deve ser criar espaços que permitam a interação do consumidor com o varejista, seus produtos, marcas e pessoas envolvidas nesse cenário. Fazendo isso de forma significativa, o varejista busca o aumento na frequência de visitas do consumidos à loja, aumentando assim o seu LTV (lifetime value) para o negócio.
Essas provocações e visão tem levado a loja física tradicional para um novo papel na jornada de compra do cliente: experiência e complementariedade. Isso significa que a loja por si só não é mais o único ou principal momento de interação com o consumidor. Ela passa a ser um desses pontos. Importantíssimo, claro. Mas apenas um ponto que deve interagir com todos os demais, de forma fluida e natural. Isso pode significar, inclusive, que a loja física não é mais o grande momento de gasto financeiro do consumidor. Dependendo do segmento, perfil de cliente e produto, a loja física pode ser tornar um mero ambiente social (preenchendo uma das dimensões descritas por Silvio Meira para o conceito Figital), de interação entre pessoas, coisas e sistemas.
Porém, sabemos que a geração de receita, gestão de margem de lucro e reinvestimento são itens extremamente delicados no varejo.
Apesar de não ser novidade o enorme desafio da gestão financeira do varejo tradicional (seja ele uma pequena loja de bairro ou um grande grupo varejista de megastores), basta analisarmos os resultados do grupo Amazon: considerada a 5a empresa mais valiosa do mundo com um market cap de mais de US$ 1,4T (em 18/mar/23), apenas 26% do seu lucro vem da sua operação de eCommerce (somada a outras iniciativas menores) mesmo com um faturamento anual de aproximadamente US$ 400bi em 2021. Os outros 74% do seu lucro anual vem da AWS, sua unidade de gestão de infraestrutura de nuvem, mesmo tendo uma receita anual bem menor que a sua irmã varejista. 26% de um lucro operacional de US$ 24,8bi, conforme resultado divulgado pela Amazon no último quarter de 2022, continua sendo uma quantidade bastante relevante de lucro, é verdade. Não há como negar que é bastante dinheiro. Mas entendendo que esses 26% significam US$ 6,448bi de uma receita total de US$ 400bi, estamos falando de uma margem operacional de aproximadamente 1,6%. De repente a coisa muda de figura. Se até a maior varejista do mundo está passando por esse cenário, dá para imaginar as dificuldades encontradas por outros players do setor, em especial em economias relativamente frágeis e expostas, como a brasileira.
Em entrevista ao BandNews, em 23/fev/2023, o economista e consultor Alberto Serrentino comenta sobre como, apesar dos recentes problemas e recuperações judiciais de grandes grupos varejistas do Brasil como a Livraria Cultura (inclusive citando o impacto da Amazon nesse segmento), a Marisa e as Americanas, não há um problema sistêmico no varejo brasileiro, que “conta com empresas sólidas com estrutura de capital sustentável”. Não duvido que de fato existam empresas saudáveis, promissoras e que estão redefinindo a realidade do varejo brasileiro. Contudo, tenho dificuldade em absorver que um segmento tão grande, relevante e importante e que está tão exposto e sensível a questões cíclicas inevitáveis como concorrência e alteração no patamar de juros não possui um problema sistêmico. Durante o famoso anúncio de Sérgio Rial, ex-presidente da Americanas.sa, sobre as inconsistências contábeis encontradas no balanço da companhia, ele próprio cita que a prática é algo inerente ao setor varejista. No próprio “Anotações para 2023”, Silvio Meira reflete sobre a existência de um “Lei Universal” do varejo, onde há um movimento natural onde “as margens de todos os varejistas no mercado considerado convergirão para próximo de zero”. Se esse movimento se provar verdade, o varejo como conhecemos hoje pode não ser sustentável no longo prazo. Mesmo os ecommerces. Mesmo outros país de economia mais robusta e estável.
Quando cruzamos esse cenário com todos os pontos de integração do mundo figital citados acima e entendendo que o varejo (não só brasileiro) ainda precisa evoluir bastante, não só em omnicanalidade mas no entendimento da nova jornada de compra e experiência do consumidor, é possível considerarmos que o futuro do varejo passa pela redefinição do que é o varejo.