Futurismo, re-percepção e o futuro da gestão corporativa
Lembro a primeira vez que ouvi falar sobre Futurismo: eram os idos de 2014 e meu amigo Marcello Bressan se ofereceu para fazer um - saudoso - Albie de Bolso sobre o tema (foto 1 e foto 2). Confesso que na época achei meio balela (como talvez você ache quando escuta falar sobre futurismo). Coisa de gente desconectada da realidade, do dia a dia, dos negócios reais. Mal sabia eu o impacto e ESSENCIALIDADE dessa disciplina para gestão de produtos, serviços e empresas.
O primeiro ponto a entender é: futurismo não tem o poder de prever o que vai acontecer. Quem faz isso, na verdade, é o charlatanismo. O futurismo se propõe a interpretar sinais - que são acontecimentos e comportamentos esporádicos ou recorrentes, intensos ou sutis - que juntos podem indicar cenários futuros que poderemos - ou não - encontrar, nos permitindo ficar mais preparados para quando eles acontecerem. É muito mais sobre PREPARAÇÃO do que PREVISÃO. Se aplicada ao mundo das artes, a visão futurista pode gerar grandes gênios como Isaac Asimov, Phillip K. Dick, Ursula K. Le Guin e Arthur C. Clarke e obras-primas como “A Fundação”
ou “Eu, Robô” (sim, Asimov é o meu favorito). Apesar do resultado ser bem menos sexy do que essas grandes obras artísticas, a aplicação do futurismo no mundo dos negócios também gera reflexões essenciais.
Dito isso e já fazendo um paralelo com o título desse texto, dá pra perceber claramente que todos os grandes líderes de empresas precisam ter algum pé no futurismo. Às vezes mais, às vezes menos. Mas ele está lá. Como fazer uma projeção de receita de 5 anos sem utilizar conceitos e ferramentas de estudos futuristas? Como defender um projeto de longo prazo sem entender o que são “cenários possíveis”? Como liderar times e iniciativas sem estar minimamente preparado/a para possíveis mudanças de mercado?
Futurismo do mundo dos negócios não é ficção científica. É pensar o futuro. E empresa que não pensa no futuro só tem dois possíveis destinos: a morte ou a mediocridade. Não sei qual dos 2 é pior.
Se traçarmos um paralelo com os famosos 3 Horizontes de Inovação (que dependendo da sua busca pode ter sido criado pela McKinsey, Bill Sharpe ou Adjiedj Bakas), fica bem fácil de ver como o futurismo está mais próximo do que parece:
Em resumo, o 3 Horizontes da Inovação é um framework que ajuda as organizações a pensarem a inovação de forma mais estruturada e estratégica. A estrutura se baseia na ideia de que a inovação pode ser agrupada em três grandes categorias, ou "horizontes", que representam diferentes estágios de desenvolvimento e foco.
O Horizonte 1, também conhecido como "core business", representa os negócios e operações atuais da organização. Esse horizonte envolve inovação incremental que ajuda a organização a melhorar seus produtos, processos e serviços atuais, se tornando mais eficiente. Exemplo: implementação de uma tecnologia em uma fábrica, otimizando o processo produtivo e diminuindo custos.
O Horizonte 2, também conhecido como "novo crescimento", envolve o desenvolvimento de novos produtos ou serviços adjacentes aos negócios atuais da organização. Isso normalmente envolve a exploração de novos mercados e oportunidades. Exemplo: a Faber-Castell lançando negócios B2B relacionados ao desenvolvimento da Criatividade.
O Horizonte 3, que está mais próximo da famosa "inovação disruptiva", envolve a exploração de mercados e tecnologias completamente novos. Esse horizonte envolve assumir muitos riscos e perseguir ideias que podem ser disruptivas ou fora da atual área de especialização da organização. Exemplo: SpaceX fazendo, literalmente, foguete dar ré.
Não é preciso muito esforço para perceber que os Horizontes 2 e 3 tem bastante sinergia com futurismo. Como falei: “o futurismo está mais próximo do que parece”. Se você quiser pensar em gestão corporativa de forma minimamente estruturada e estratégica, precisa entender sobre o assunto.
Mas aí chegamos a um ponto CRUCIAL: o futuro é incerto por definição. Não há garantia nenhuma de que aquilo vá acontecer. E, na prática, o futuro é apenas a junção de vários possíveis cenários (alguns mais prováveis, outros menos prováveis) que nascem e morrem o tempo inteiro, como essa imagem aqui ilustra bem:
Ou seja, pensar o futuro é pensar em diversas possibilidades, que podem - ou não - mudar a qualquer momento. Haja saúde mental pra lidar com essa instabilidade toda!
É aí que entra um outro conceito que me parece ser a cola para isso tudo: re-percepção
Segundo Amy Webb - que é a cabeça por trás do Future Studies Institute - apresentou no SXSW 2022, a re-percepção é a habilidade de ver, ouvir ou perceber algo novo em um cenário ou a partir de uma informação existente. É perceber o que outros não perceberam.
Mas humildemente eu proponho uma definição um pouco diferente: re-percepção é a capacidade de ativamente perceber o contexto em que estamos inseridos, reinterpretando o tempo inteiro todos os sinais e estímulos que recebemos, gerando novas ideias e novas decisões a partir dessa reinterpretação.
Em um mundo cada vez mais veloz, re-percepção é uma questão de sobrevivência. A sociedade se reorganiza de forma constante, sem pausa para respirar. Qualquer “retrato” de um determinado contexto já está defasado. Os sinais mudam o tempo inteiro, a uma velocidade nunca antes vista (e me desculpem os idealistas: ela não vai diminuir).
Quer um exemplo recente? ChatGPT. Se você acessou o LinkedIn ou o Twitter nas últimas semanas, tem uma altíssima chance de ter visto posts como esse contando sobre as maravilhas e infinitas possibilidades da ferramenta lançada pela OpenAI. Ousando falar sobre algo que não sou especialista, o ChatGPT é treinado usando aprendizagem por reforço a partir de feedback humano, um método que aumenta o aprendizado de máquina através da intervenção humana para alcançar um resultado realista. O sucesso e impacto foi tão grande que em apenas uma semana o ChatGPT atingiu a marca de um milhão de usuários. Para saber se é isso é muito ou pouco, segue uma comparação:
Pessoalmente vi centenas de posts de pessoas dos mais diversos backgrounds e das mais diversas indústrias se impressionando com as possibilidades e como aquilo irá redefinir a forma como trabalhamos, estudamos, aprendemos e nos posicionamos publicamente. São os primeiros indícios da sociedade descrita por Iain Banks na série “A Cultura”. Ou seja, de repente uma nova tecnologia (ou pelo menos a forma com que ela é apresentada) forçou muita gente a “reperceber” diversas esferas da sociedade moderna. Rever valores. Redefinir o que pode ou não ser feito.
As empresas (principalmente as grandes corporações) estão inseridas nesse ritmo frenético mas se movem de forma mais lenta do que as pessoas. Ou seja, estão quase sempre correndo atrás (quem trabalha no mercado de startups/inovação pode ter uma visão bem enviesada da sua bolha). Para liderar esses negócios (pode ser uma startup de deeptech ou uma padaria), cada vez mais vai ser necessário re-perceber o que está à nossa volta para responder ao mercado com mais agilidade. Tempo é mais do que dinheiro: em alguns casos é fator de vida ou morte.
Por isso, afirmo com bastante confiança que:
💡 Re-Percepção será a principal habilidade da próxima geração de líderes empresariais.
Essa é só uma primeira reflexão que - se tudo der certo - vai se desdobrar em um mestrado em 2024.
Vamos em frente, repercebendo o tempo todo.
(/referências) Recomendo fortemente que você confira a apresentação do SXSW 2022 da AmyWebb ou baixe o relatório aqui. Se quiser conhecer mais sobre a Amy Webb, clique aqui. Mais sobre Future Today Institute, aqui. Aproveitando as referências, vale também acompanhar o que o Luiz Candreva e Tiago Mattos têm a dizer, além do meu amigo Marcello Bressan, que deu início à toda essa reflexão. (/fim)
Que tal mandar para aquele seu/sua colega que iria gostar de ler esse texto?