A partir de hoje começo uma linha de escrita mais focada nos temas que estão ocupando mais tempo e espaço na minha cabeça e na de pessoas que gosto e respeito. Daí o nome #MeuTriplex. A frequência dos textos seguirá regularmente irregular. Espero que gostem dessa nova fase!
Ouvi alguém gritando: “A Inteligência Artificial é maravilhosa! Seu impacto será maior do que a própria internet! Ela vai nos permitir fazer e criar coisas inimagináveis! Fazer conexões que o nosso cérebro nem consegue imaginar. Serão descobertas curas para doenças, a nossa produtividade vai pro céu, as pessoas precisarão fazer menos tarefas repetitivas, o ambiente de trabalho vai evoluir, cada um de nós terá um Agente fazendo as tarefas que não queremos fazer… É a salvação da humanidade!”
E do outro lado responderam: “A Inteligência Artificial é o maior mal que já passou pela Terra. Ela vai nos tornar burros e preguiçosos, com cérebros atrofiados. Já somos dependentes de tecnologia. Com IA então, acabou a raça humana. Em breve os robôs humanóides da Tesla irão se rebelar e perceber que podem nos controlar facilmente! O futuro distópico de Isaac Asimov chegou e nós estamos criando a nossa própria desgraça… É o fim da humanidade!”
O futuro provável está no meio termo desses dois extremos e isso é verdadeiro para a maioria dos cenários, de qualquer coisa, a qualquer momento do tempo, em qualquer contexto.
Hoje, março/2025, o tópico que mais ocupa espaço na minha mente sobre esse assunto é:
Qual o valor da produção criativa em tempos (e avanços) de IA?
Onde nesse meio termo estará o valor do que é produzido (seja por AI, seja por humanos)?
Será que a abundância de produção via tecnologia fará a produção humana valer mais (por ser mais rara) ou menos (por ser menos assertiva)?
Um estudo de Nov/2024 afirmou que “a poesia gerada por IA é indistinguível da poesia escrita por humanos e é avaliada de forma mais favorável”.
Ou seja, as participantes do estudo PREFERIRAM a poesia escrita por AI do que a escrita por humanos. Mais do que isso: os participantes estavam mais propensos a julgar os poemas gerados por AI como sendo feitos por humanos do que os próprios poemas escritos por humanos. Que loucura!
Alguns dirão: “Ah, mas os participantes não eram especialistas em poesia. São facilmente enganados”. E você acha que a sua/nossa Tia do Zap que lê e espalha manchetes sensacionalistas por aí é uma jornalista premiada? Ou então seu/nosso Tio do Pavê que critica as políticas econômicas do governo (qualquer que seja ele) é especialista em economia e política internacional?
O mundo é composto majoritariamente por não-especialistas. Eles são/Nós somos a maioria em qualquer tópico, a qualquer momento, em qualquer contexto amplo. Tem muito menos economista formado (mesmo em universidades duvidosas) do que economista palpiteiro (menos no futebol, que aí todo brasileiro é expert no assunto mesmo e Neymar não deveria ser convocado, viu Dorival?).
Como um não-especialista em poesia, acredito que os seus grandes objetivos são uma combinação de um ou mais dos fatores a seguir: expressar sentimentos, provocar reflexões, questionar, criticar, comunicar ou apenas ser algo agradável de ser lido/ouvido. São todas questões muito íntimas e únicas: cada leitor/a pode interpretar aquela sequência de palavras de um jeito diferente e particular. E tá tudo bem.
Música segue o mesmo caminho. Vamos pensar em uma grande música da história recente: I’m Still Standing, de Elton John. Se você nunca ouviu, faça-se esse favor.
Questionei alguns amigos e todos eles trouxeram explicações diferentes do porquê acham I’m Still Standing uma das maiores músicas pops do Século 20. Um falou do sentimento na voz de Elton John. Outro trouxe a letra sobre superação. Outro citou a harmonia do piano. Outro simplesmente disse: “Me lembra a minha infância”. Eu poderia seguir essa mesma lógica para livros, pinturas, esculturas, artigos e uma infinidade de produções humanas.
Quando trazemos esse cenário para o mundo do trabalho, da produtividade ferrenha, da absorção otimizada dos “conteúdos que importam”, do filtro entre Ruído e Sinais, o LinkedIn vai à loucura!
São dezenas de posts ensinando como usar Agentes AI, modelos de LLM, integrações e automações para ganhar tempo na hora de consumir e produzir conteúdos. Centenas de pessoas acham isso fantástico, maravilhoso, “life-changing” e tantos outros superlativos. É uma busca incessante por tornar em algo objetivo uma coisa que é subjetiva por natureza.
Por um lado, acho ótima essa busca por produtividade que vai nos levar a novos patamares! Mas nem tudo é tão simples.
Em uma troca de mensagens com o Bruno Moreira, fundador da Inventta, ele trouxe um ponto que me levou mais fundo nesse Buraco de Alice: “vamos ter só robô falando com robô”.
Se não formos intencionais no que estamos fazendo, é para esse futuro que estamos caminhando: um robô que você configura e identifica um texto entre dezenas de fontes na internet a partir de vários parâmetros pré-configurados (tema, fonte, profundidade, etc); uma integração joga esse texto para um LLM (outro robô) que lê, identifica os principais pontos e resume o texto original. Depois disso, outro robô pega esse resumo, encaminha para uma base de dados que tem todos os seus textos (gerados por robôs) e depois de aprender o seu “tom de voz” aciona outro robô para criar um novo artigo, alinhado com a sua abordagem “única e particular”. Outro robô é acionado para publicar automaticamente esse texto no Substack e fazer um post no LinkedIn. Esse seu artigo no Substack vai ser lido pelo robô de outra pessoa e a roda começa a girar de novo.
“Ah, ninguém vai fazer isso.”
Não só vão como já estão fazendo: ninguém menos que Allie Miller, uma das maiores especialistas de AI do mundo (ou seria do LinkedIn?) anunciou que durante 3 semanas em Jan-Fev/2025 todas as suas postagens no LinkedIn seriam/foram escritas e publicadas por “um workflow sofisticado de agentes AI”. Ela não só anunciou como também fez um vídeo (com coleta de e-mail, porque ninguém é besta) explicando passo a passo do que foi estruturado. Eu acompanhei os posts e, olha… eram muito bons! Todos eles tinham o disclaimer que eram criados por AI mas realmente pareciam a Allie Miller escrevendo.
Fantástico e ao mesmo tempo questionador.
Eu quero ler o que o robô da Allie Miller julgou que é legal (mesmo que esses parâmetros tenham vindo 100% dela) ou quero saber o que o CÉREBRO da Allie Miller processou e produziu daquelas informações?
Outro exemplo recente nesse tópico foi o ótimo texto escrito pelo Lucas Abreu, do Sunday Drops: **A Última Barreira Contra o Desemprego é a Humanidade.** Ele fez um experimento com o Deep Research da Open AI e teve o Momento Lee Sedol. Contextualizando, nas palavras do próprio Lucas: ”Lee Sedol foi campeão mundial de Go, um jogo de tabuleiro chinês e popular na Ásia, que pode ser traduzido como um xadrez muito mais complexo. É um exemplo de alguém que dedicou sua vida a uma única habilidade e viu seu esforço ser recompensado: seu nome figura entre os maiores da história, de forma inquestionável. Até que, em 2016, algo mudou para sempre. O AlphaGo, um programa de inteligência artificial, não apenas o derrotou - o demoliu com um placar de 4 vitórias a 1. Anos depois, Sedol anunciou sua aposentadoria com palavras que ecoam como um presságio: "Mesmo se eu me tornar o número um, há uma entidade que não pode ser derrotada". Em 2024, ele fez uma confissão ainda mais dolorosa: jamais teria se tornado profissional se soubesse o que uma IA seria capaz.
No caso do Lucas ele pediu ao Deep Research que montasse uma análise detalhada do mercado de tecnologia de irrigação para o agronegócio, um dos trabalhos que já tinha feito no passado e de que mais se orgulhava. O trabalho original exigiu 2 semanas intensas e consulta a dezenas de fontes. O Deep Research fez tudo em 30 minutos com alguns prompts básicos e gerou uma análise mais ampla do que Lucas havia conseguido fazer.
Eu quero ler o que o Deep Research falou sobre o mercado de tecnologia de irrigação para o agronegócio ou quero saber como o Lucas Abreu vê o mercado?
Tendo a dizer que temos espaço para as duas coisas. Mas hoje não consigo afirmar muito mais do que isso e muito menos dizer quando cada um será relevante. Já passei pela época de adorar receber conteúdos resumidos e curados por AI. Hoje estou buscando cada vez mais conteúdos escritos por seres humanos. Quem sabe o que a próxima semana.
Indo mais a fundo nessa reflexão, recentemente ouvi o podcast da a16Z com Scott Belsky, fundador do Behance que trouxe algumas reflexões interessantes. Se você chegou até aqui, recomendo que escute:
“Em períodos de abundância, os produtos ficam comoditizados, as pessoas buscam versões exclusivas daquele item e pagam mais por isso. Aconteceu com bolsas, sapatos, carros… O que vai acontecer quando conteúdo estiver comoditizado?”
Será que em breve iremos falar “Sou leitor de Joãozinho das Couves” como um fator de diferenciação?
Se isso acontecer, imagino que essa criação de valor agregado virá por causa de um ponto de vista único que aquela pessoa me traz ou algum tipo de reflexão que ela estimula em mim. Não que seja o ponto de vista “mais detalhado” ou “mais completo” ou “mais bem resumido”… Apenas o que mais me impacta, pelo motivo que for.
“Taste will outperform Skill”
Essa frase me pegou. Muito. Não é de hoje que habilidade (skill) se aprende cada vez mais rápido (ainda mais com a velocidade do desenvolvimento tecnológico nos últimos 20 anos). O que antes era exclusividade de universidades e anos de prática foram transformados em livros, cursos de extensão, cursos rápidos, textos, vídeos de Youtube e até mesmo vídeos do TikTok. Bom gosto (Taste) não se aprende no TikTok ou no curso mais hypado da cidade. Bom gosto é FORJADO ao longo dos anos, consumindo conteúdo de qualidade, refletindo e pesquisando. E aqui mora o nosso maior risco: somos uma sociedade viciada em dopamina, que evita quase qualquer coisa que não nos dê prazer imediato.
Isso significa que mais do que nunca as experiências que vivemos serão valiosas para a formação da nossa visão única de mundo e do nosso bom gosto. Conhecer história, arte, personalidades (e não estou falando do campeão do último BBB), conversar com outras pessoas, refletir sobre o que é bom e ruim… é o que vai nos diferenciar.
E isso é algo que nós humanos devemos tomar as rédeas e assumir a responsabilidade porque sabe o que acontece quando “Taste” se torna comoditizado e pasteurizado por modelos de IA? Um declínio quase irremediável para uma humanidade sem senso crítico.
Acredito que no futuro (brevíssimo) vamos amadurecer para entender e definir que para alguns casos iremos querer e preferir conteúdo gerado por AI enquanto para outros iremos querer e preferir conteúdo gerado por humanos que tenham bom gosto. Precisamos aprender com os erros das redes sociais e não permitir que isso reforce as bolhas sociais e de informação que tanto nos prejudica hoje em dia.
As dúvidas que surgem a partir dessa discussão são quase infinitas:
Saberemos diferenciar o que é AI vs Humano?
O que estaremos perdendo ou ganhando com cada uma das escolhas?
É o fim da diversidade cultural e linguística? Teremos “diversidade tecnológica”?
A partir de agora, o que define um especialista? Taste ou Skill?
Como lidaremos com questões de direitos autorais e propriedade intelectual?
Como passaremos a avaliar / julgar as pessoas e suas produções?
Como garantimos que a desigualdade não seja amplificada?
Sinto que podemos discutir por DIAS sobre cada uma dessas perguntas.
Para finalizar, volto a citar a INTENCIONALIDADE, palavra que tem participado cada vez mais das minhas conversas. Que a gente utilize INTENCIONALMENTE a cada instante esse maravilhoso cérebro que nós temos, forjado por milhões de anos de evolução, para refletir sobre o que está acontecendo a nossa volta e tomar as melhores decisões possíveis.
Não tenho conclusões muito além daqui. Só me resta pensar, refletir e conversar para conhecer outros pontos de vista.
Me chama no LinkedIn ou comenta aqui embaixo o que pensa sobre isso!
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Ótimo texto e reflexão! O “gosto” me parece ter a ver com o “molho” ou “ingrediente secreto”. Nesse caso, secreto para as IAs! Possivelmente composto pela combinação das nossas vivências, historias, emoções e imperfeições únicas.
Essa fala do Bruno Moreira, em que ele diz que só teremos robô conversando com robô, me remeteu à teoria da internet morta, que parece cada vez menos conspiração e mais realidade nos dias atuais.