Do PDF ao Pensamento Digital
Até hoje, a Transformação Digital era opcional para sobrevivência empresarial. Essa Era acabou.
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Por anos, temos escutado o termo "transformação digital" pelos corredores das grandes corporações. Embora seus fundamentos tenham sido mencionados pela primeira vez nos anos 1940 pelo Prof. Claude Shannon, foi com o avanço da internet nas décadas de 1980 e 1990 que o tema ganhou força e não saiu mais do nosso dia a dia.
Reuniões intermináveis, apresentações elaboradas e consultorias (bem) caras prometiam — e ainda prometem — uma revolução que parece sempre estar no horizonte, mas nunca chega de fato. As empresas debatem incessantemente sobre a necessidade de se modernizar, de abraçar novas tecnologias e de mudar suas culturas organizacionais. Só que, na maioria das vezes, tudo termina em um PPT caro, arquivado em alguma pasta perdida no OneDrive.
Mas por que essa tão prometida revolução pareceu demorar tanto para chegar (e, na prática, ainda não chegou para a maioria das pessoas e empresas)?
Para entender melhor esse ponto, precisamos esclarecer o que é (e o que não é) Transformação Digital.
No excelente artigo “Digital transformation: A multidisciplinary reflection and research agenda”, os autores apresentam de forma bastante clara e objetiva as três fases de um processo de transformação digital. É muito importante entendermos esses conceitos para deixar claro que muitas pessoas e empresas confundem digitalização com transformação digital.
Digitização (Digitization): Esta é a fase inicial, onde a informação analógica é convertida em formato digital. Imagine pilhas de documentos em papel sendo escaneados e transformados em arquivos PDF. Esse processo facilita o armazenamento, a recuperação e o compartilhamento de informações. No entanto, apesar de tornar os dados mais acessíveis, a digitização por si só não altera de forma significativa como uma empresa opera. Muita gente parou aqui quando disse: “Migramos para o Gmail, Google Docs, Google Drive. Agora é tudo digital!”
Digitalização (Digitalization): Aqui, a tecnologia começa a desempenhar um papel mais ativo na melhoria dos processos de negócio. Um exemplo típico é a automação de um processo que antes era manual. Sistemas integrados permitem que ações sejam realizadas, aprovadas e acompanhadas eletronicamente, aumentando a eficiência e reduzindo erros. A digitalização otimiza operações, mas ainda funciona dentro do modelo de negócio tradicional. A maioria das empresas parou nessa fase, ao acreditar que implementar uma plataforma (SAP, Salesforce, etc.) é se transformar digitalmente. Não é.
Transformação Digital (Digital Transformation): Esta é a fase mais profunda e impactante. Não se trata apenas de implementar novas tecnologias, mas de repensar fundamentalmente o modelo de negócio. O modelo de negócio parte do pensamento digital, e não o contrário. A transformação digital envolve mudanças culturais, estratégicas e operacionais em toda a organização. Ela abre caminho para novos produtos, serviços e formas de interação com clientes e mercados. Poucas empresas de fato abraçam essa fase, pois é uma migração para um cenário desconhecido, com seus ônus e bônus.
Cada uma das etapas tem a sua importância e o seu momento na jornada das empresas. Cada uma tem seu nível de maturidade e seu tempo (seja por fatores internos ou externos) para passar por essas etapas.
Apesar da crescente pressão natural para se modernizar, muitas empresas permaneceram estagnadas nas fases iniciais. Entre os fatores que contribuem para essa inércia:
Resistência à mudança
A natureza humana tende a evitar o desconhecido, e isso se reflete nas organizações. Muitos executivos e funcionários preferem manter o status quo, temendo que mudanças drásticas possam levar à instabilidade ou mesmo à perda de seus empregos. Essa resistência pode ser alimentada por medo da obsolescência profissional, pela zona de conforto organizacional já estabelecida e pela falta de incentivo à inovação.
Falta de visão clara
A falta de conhecimento e de abertura para entender o novo acaba gerando a ausência de uma estratégia bem definida para a transformação digital. Isso retroalimenta a resistência citada acima, impactando a falta de abertura para o novo.
Cultura organizacional rígida
Aos poucos, percebemos que o “digital” é o que menos importa na transformação digital. No fim das contas, trata-se de uma mudança de cultura e mindset. Uma mudança na forma de abordar o mundo e as ferramentas que temos à disposição. De forma geral, hierarquias travadas e inflexíveis sufocam a agilidade e a abertura necessárias para essa transformação.
Pressões de curto prazo
O incentivo dita a ação. Quem vai se preocupar em pensar a transformação de longo prazo quando sua avaliação na empresa é semestral e os OKRs são trimestrais? Enquanto tivermos uma visão e uma estrutura de curto prazo, estaremos dificultando que as empresas possam de fato passar por essa transformação.
Esses fatores criaram um ambiente onde a inércia tornou-se a norma, e a transformação digital permaneceu fora do alcance para muitas organizações. Porém, nos últimos anos, o mercado foi tomado pelos debates sobre inteligência artificial, que vão impactar tudo isso que discutimos até aqui.
Inteligência Artificial também não é algo novo.
Apesar de só ter entrado no repertório de muita gente depois da chegada do ChatGPT em 2022, seus fundamentos teóricos datam da década de 1950, com pesquisadores como Alan Turing (se ainda não assistiu O Jogo da Imitação, coloque aí na sua lista) e John McCarthy explorando as possibilidades de máquinas que pudessem simular a inteligência humana. Ao longo dos anos, a IA percorreu todas as etapas do Hype Cycle da Gartner, passando por ciclos de entusiasmo e desapontamento, mas recentemente atingiu um ponto de inflexão graças aos avanços em poder computacional, algoritmos de aprendizado de máquina e à disponibilidade massiva de dados.
Diferentemente das ondas tecnológicas anteriores, a Inteligência Artificial tem o potencial de transformar profundamente praticamente todos os setores da economia. Na verdade, essa revolução não está mais no horizonte; ela está acontecendo agora: segundo o estudo "The AI-powered enterprise: Unlocking the potential of AI at scale" da Capgemini, 82% das empresas globais estão utilizando ou explorando Inteligência Artificial de alguma forma. É um caminho sem volta. E vale lembrar que IA é (e vai ser) muito mais do que assinar o ChatGPT Premium ou usar alguma ferramenta do There Is An AI For That.
Na saúde, algoritmos de IA estão sendo usados para analisar exames médicos e auxiliar no diagnóstico precoce de doenças como câncer e problemas cardíacos. No setor automotivo, a IA é fundamental no desenvolvimento de veículos autônomos que podem perceber o ambiente e tomar decisões em tempo real. Em finanças, sistemas inteligentes detectam fraudes e realizam análises preditivas para investimentos. Na agricultura, sensores e drones equipados com IA monitoram culturas, otimizando o uso de água e pesticidas. Na indústria, a manutenção preditiva utiliza dados e algoritmos para prever falhas em máquinas antes que ocorram, aumentando a eficiência operacional.
As discussões sobre ética, transparência, impacto, desemprego e tantos outros tópicos são extremamente necessárias e quase intermináveis. Mas não é nisso que vou focar aqui. Para o texto de hoje, o principal ponto é como a democratização da Inteligência Artificial vai tornar a verdadeira transformação digital nas empresas completamente inevitável.
Até hoje, era possível ter sucesso e se manter relevante no mercado com uma mentalidade mais... digamos, antiga. Cumprir a etapa de digitalização que vimos acima já era um “grande” avanço, porque a concorrência estava cheia de mentalidades ainda mais atrasadas.
Mas a IA não é apenas mais uma ferramenta tecnológica; é um catalisador que está redefinindo a forma como os negócios operam e pensam seus futuros.
A aplicação de Inteligência Artificial nos negócios quebra quase qualquer barreira conhecida de possibilidades. Antes limitados a automações de tarefas manuais, agora poderemos automatizar tarefas COGNITIVAS complexas. Segundo Dario Amodei, fundador da Anthropic, neste excelente texto, é como se tivéssemos um país inteiro de gênios dentro de um data center.
Isso não muda as regras do jogo. A AI cria um jogo totalmente diferente quando falamos em Transformação Digital.
Teremos limitações? Com certeza. Nesse mesmo texto, Dario Amodei diz: “Intelligence may be very powerful, but it isn’t magic fairy dust”. Em alguns casos, “mais inteligência” não significará “menos tempo” para resolver um desafio. Teremos outros fatores limitantes, afinal o “mundo físico” (hardware, qualquer coisa que envolva comunicação com pessoas e até mesmo nossa infraestrutura de software existente) funciona em uma velocidade muito menor do que o digital.
Mesmo com essas limitações, os impactos serão gigantescos. As empresas que não se adaptarem ao pensamento exponencial (e aqui temos um dificultador gigantesco, pois nosso cérebro funciona de forma linear) vão ser deixadas para trás. Não é um pouco para trás. É muito para trás. Muito mesmo.
Marc Andressen da A16Z já dizia desde 2022: “Find the smartest technologist in the company and make them CEO” (na minha opinião essa frase vai ser tão icônica quanto a sua clássica “Software is eating the world”, de 2011).
O que Marc Andressen apresenta é muito simples: em um mundo digital, você precisa de uma pessoa tech comandando a companhia. E isso é BEM diferente de criar um “Lab Digital” e colocá-lo para trabalhar em algum escritório ~cool. Não estamos mais em 2015.
O mundo é outro. As pessoas são outras. A lógica é outra. O jogo é outro.
Me desculpem os colegas de outras áreas. A discussão aqui não é sobre o próximo trimestre, o próximo ano e nem mesmo aquele planejamento de 5 anos. É sobre a sobrevivência das nossas empresas para a próxima geração.
A transformação digital deixou de ser opcional.
Para a sua própria sobrevivência, mova-se.